Texto de Rafael Lima
Rio de Janeiro, 23/10/2001
Rir de uma caricatura, comentar a charge do dia, lembrar daquele antigo pôster do Ziraldo todo mundo gosta. Mas a galera aí sabe a diferença entre charge, cartum e caricatura? Sabe o que é uma piada muda e o que é uma história em quadrinhos?
Evangelho diminui índice de violência na cidade de São Paulo
Vamos por partes, como um quebra-cabeça. Etimologia: charge vem do francês, carga. Como explica Jô Soares no prefácio do livro do chargista Ique, Brasileiras & Brasileiros: "Charge, carga, não da brigada, mas sempre ligeira, desafio infindável. Charge, carga, obrigação de ser mordaz com hora marcada." Mais simplesmente, "a chance de dar um tiro de canhão por dia", definição ouvida por este colunista num debate. Cartoon, do inglês, cartão, tem origem num fato histórico.
Em Londres, 1841, o príncipe Abbert encomendou uma série de desenhos para os novos murais de Westminster, e os artistas rejeitados, em represália, fizeram uma mostra de humor toda em cartão. A revista inglesa Punch, a mais antiga em humor do mundo, publicou os cartoons, dando novo significado à palavra. Aqui no Brasil, o cartoon ganhou jogo de cintura e virou cartum, como narra o pai da criança, Ziraldo: "no Brasil, a gente tinha que grifar, já que era palavra estrangeira. Ficava uma coisa chata. Então eu fui falar com o Aurélio, contei a ele que tinha criado a palavra e ele disse que ia dicionarizá-la. Logo depois, em 1967, um diretor do Jornal dos Sports que estava querendo fazer grandes mudanças me chamou para fazer um caderno de humor. No título já fui colocando a grafia nova: 'Cartum JS'". O neologismo apareceu pela primeira vez na revista Pererê, de fevereiro de 1964, do mesmo Ziraldo.
Mas quem é quem nesse saco de gatos? Chico Caruso (charge ao lado caricaturando Orestes Quércia e Antônio Ermínio de Moraes e Diego Gianni, traçando Sylvester Stallone) fez uma distinção bem clara, valendo-se de uma analogia cinematográfica (vai com aspas, mas a citação é de cabeça): "Se você afasta a câmera, pegando o plano geral, sem detalhes, e a piada é universal, como a do náufrago, é um cartum." Então todos aqueles desenhinhos sem palavras do Quino são cartuns, as vinhetas do Borjalo também e as marginais do Mad, feitas pelo Aragonés, idem. "Se você aproxima a câmera, pegando o chamado plano americano -- da cintura pra cima -- e localiza a piada, aí é charge." Fica fácil ver que todas essas piadas políticas, que aparecem nas manchetes ou nas páginas de opinião dos jornais são charges. Os quadrados que Ique, Chico e Paulo Caruso, Angeli, e Claudio Paiva ocupam ou ocuparam nos jornais do Rio e São Paulo foram sempre ocupados com charges. "E se você fecha a câmera só na cabeça, o close, é caricatura." Ou seja, aqueles retratos deformados que fizeram o nome do Álvarus, do Cássio Loredano, do Liberati, do Al Hirschfeld na New Yorker, do Nássara. Agora entendi.
Peraí, mas e... os quadrinhos? Quadrinhos são coisa bem mais complexa, porque se valem de elementos da pintura, ilustração, literatura, cartum, charge, caricatura e até cinema, podendo trocar influências e idéias num toma lá dá cá que às vezes é só toma lá, às vezes é só dá cá. Além disso, como Will Eisner colocou em seu livro, quadrinhos são arte sequencial, ao contrário da charge e do cartum, que se resolvem em um só quadro. Bill Sienkievicz se notabilizou por usar a caricatura para caracterizar o lado grotesco de alguns personagens, utilizando diversas técnicas de pintura. Angeli usa a sequência, típica dos quadrinhos, em suas charges políticas. Aroeira usa outro elemento dos quadrinhos, o balão, fartamente em suas charges. Jaguar usa o balão em cartuns. Quando não há uso do balão num cartum, e o texto não aparece abaixo do desenho, como diálogo ou título, expediente comum a Carlos Estevão, o cartum é conhecido como piada muda.
Evangelho diminui índice de violência na cidade de São Paulo
Flamir
Vamos por partes, como um quebra-cabeça. Etimologia: charge vem do francês, carga. Como explica Jô Soares no prefácio do livro do chargista Ique, Brasileiras & Brasileiros: "Charge, carga, não da brigada, mas sempre ligeira, desafio infindável. Charge, carga, obrigação de ser mordaz com hora marcada." Mais simplesmente, "a chance de dar um tiro de canhão por dia", definição ouvida por este colunista num debate. Cartoon, do inglês, cartão, tem origem num fato histórico.
Em Londres, 1841, o príncipe Abbert encomendou uma série de desenhos para os novos murais de Westminster, e os artistas rejeitados, em represália, fizeram uma mostra de humor toda em cartão. A revista inglesa Punch, a mais antiga em humor do mundo, publicou os cartoons, dando novo significado à palavra. Aqui no Brasil, o cartoon ganhou jogo de cintura e virou cartum, como narra o pai da criança, Ziraldo: "no Brasil, a gente tinha que grifar, já que era palavra estrangeira. Ficava uma coisa chata. Então eu fui falar com o Aurélio, contei a ele que tinha criado a palavra e ele disse que ia dicionarizá-la. Logo depois, em 1967, um diretor do Jornal dos Sports que estava querendo fazer grandes mudanças me chamou para fazer um caderno de humor. No título já fui colocando a grafia nova: 'Cartum JS'". O neologismo apareceu pela primeira vez na revista Pererê, de fevereiro de 1964, do mesmo Ziraldo.
Mas quem é quem nesse saco de gatos? Chico Caruso (charge ao lado caricaturando Orestes Quércia e Antônio Ermínio de Moraes e Diego Gianni, traçando Sylvester Stallone) fez uma distinção bem clara, valendo-se de uma analogia cinematográfica (vai com aspas, mas a citação é de cabeça): "Se você afasta a câmera, pegando o plano geral, sem detalhes, e a piada é universal, como a do náufrago, é um cartum." Então todos aqueles desenhinhos sem palavras do Quino são cartuns, as vinhetas do Borjalo também e as marginais do Mad, feitas pelo Aragonés, idem. "Se você aproxima a câmera, pegando o chamado plano americano -- da cintura pra cima -- e localiza a piada, aí é charge." Fica fácil ver que todas essas piadas políticas, que aparecem nas manchetes ou nas páginas de opinião dos jornais são charges. Os quadrados que Ique, Chico e Paulo Caruso, Angeli, e Claudio Paiva ocupam ou ocuparam nos jornais do Rio e São Paulo foram sempre ocupados com charges. "E se você fecha a câmera só na cabeça, o close, é caricatura." Ou seja, aqueles retratos deformados que fizeram o nome do Álvarus, do Cássio Loredano, do Liberati, do Al Hirschfeld na New Yorker, do Nássara. Agora entendi.
Peraí, mas e... os quadrinhos? Quadrinhos são coisa bem mais complexa, porque se valem de elementos da pintura, ilustração, literatura, cartum, charge, caricatura e até cinema, podendo trocar influências e idéias num toma lá dá cá que às vezes é só toma lá, às vezes é só dá cá. Além disso, como Will Eisner colocou em seu livro, quadrinhos são arte sequencial, ao contrário da charge e do cartum, que se resolvem em um só quadro. Bill Sienkievicz se notabilizou por usar a caricatura para caracterizar o lado grotesco de alguns personagens, utilizando diversas técnicas de pintura. Angeli usa a sequência, típica dos quadrinhos, em suas charges políticas. Aroeira usa outro elemento dos quadrinhos, o balão, fartamente em suas charges. Jaguar usa o balão em cartuns. Quando não há uso do balão num cartum, e o texto não aparece abaixo do desenho, como diálogo ou título, expediente comum a Carlos Estevão, o cartum é conhecido como piada muda.
Graúna, Zeferino e Bode Orelana, do genial Henfil. Estes personagens
viviam inúmeras situações humorísticas e satíricas retratando a miséria do
Nordeste, onde a verdadeira personagem era a caatinga
O problema é que além de nem todas essas definições serem suficientemente claras, elas são arbitrárias. Existem para serem derrubadas até que se encontre algo melhor. E fluidas, porque ao intercambiarem seus elementos, misturam seus conceitos, tornando-se mais parecidas umas com as outras. É comum ouvir as pessoas falarem que o Chico Caruso é um caricaturista de mão cheia, o que não deixa de ser verdade. Lan, mais do que chargista político, é um ilustrador (ilustração: aquele desenho que diz em traços o que o texto diz em palavras) brilhante no uso da cor, cartazista e capista. A verdade é que, assim como as definições acima, o talento também é intercambiável, e quem é bom fazendo cartum também deve ser bom fazendo quadrinhos, caso do Henfil, e vice-versa. Os exemplos são intermináveis, como sempre foi a disposição do público para o desenho de humor.viviam inúmeras situações humorísticas e satíricas retratando a miséria do
Nordeste, onde a verdadeira personagem era a caatinga
6 comentários:
Kharis kai eirene
Meus parabéns Flamir. O blog está excelente!
Valeu, amado!
Tenho aprendido muito no seu blog.
Creio que muitos também.
Um grande abraço,
nEle,
Flamir
PS.: ficou legal agora o acesso?
Bem legal o texto. Só faltou dizer que o Alvarus (Alvaro Cotrim) teve uma certa resistência no uso da palavra cartum. Mas essa é outra história.
Faaala, Zé!
Realmente ele fez uma certa resistência. Mas como vc mesmo colocou, isso é uma outra história. Quem sabe numa próxima ocasião a gente aborde essa questão.
Um grande abraço!
nEle,
Flamir
ps.: caso você tenha algum texto legal que fale sobre a história do humor gráfico, mande correndo pro meu e-mail: flamir.traco@gamil.com
Oi Flamir
Parabéns pelo blog! Já começou ganhando presentinho. rs. Vai lá no meu blog ver.
Abraço!
Valeu, linda!
Vou dar uma olhadinha!
Olha, vou “espetar” sua caricatura e a do Joede no meu espaço CARICATURAS & HOMENAGENS. Vs vão gostar!
Ps.: como tá o bebê?
Bjs
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