sexta-feira, 6 de setembro de 2013

A janta está esfriando

A janta está esfriando. Igual a todos os trabalhadores do mundo, eu também chegava em casa cansado, jogava-me no sofá e ligava a TV para saber das últimas notícias do dia. Naquela noite, não estava sendo diferente, até ser interrompido por meu filho, Renato, na época com 5 anos, que, ao me ver chegar, correu pedindo-me atenção. Sem paciência e me sentindo exausto, peguei um pedaço de papel e lápis e pedi que ele fizesse algo enquanto eu via mais uma vez o repórter, com as mesmas manchetes, os mesmos entraves políticos.

Volta e meia, ele me interrompia, fazendo-me perguntas sem nexo, tipo: – Papai, como se escreve “UE”? Papai, como se escreve “OMA”? Filhinho – respondi com pouca paciência – papai está vendo o repórter e está cansado! Depois você pergunta o que quiser, tá bom? Minha esposa Lu estava na cozinha preparando algo para jantar. Ela  trabalhava durante o dia e chegava em casa pouco antes de mim. Silvia, minha filha, estava em seu quarto arrumando os brinquedos, enquanto que eu e o “Chato” do Renato estávamos na sala. Eu, querendo ver o repórter; ele, tentando escrever o que era latente em seu coração.

Interessante como a gente não percebe o quanto de errado nos comportamos em família. É muito comum colocarmos a culpa nos meios de comunicação, na modernidade, na violência urbana, etc. Mas não reconhecemos que muito do que podemos mudar está bem ali, diante dos nossos olhos, logo abaixo do nosso nariz. Na verdade, estamos presos aos “nossos” problemas, às “nossas responsabilidades”, enfim, a tudo que nos cerca “fora” do lar. Numa sociedade pós-moderna, onde homem e mulher trabalham para financeiramente terem perspectivas melhores, às vezes, esquecemos e pagamos um alto preço pelo que deixamos de administrar em família, e pior, delegamos a outros aquilo que é de nossa inteira responsabilidade: educar e amar os filhos.

Lembro-me que naquele dia, de tanto insistir e não ter resposta, meu filho acabou adormecendo em meu colo sobre o sofá, enquanto eu ainda via o noticiário. Lu me avisou que a janta estava pronta. Então, delicadamente, peguei-o no colo para levá-lo pro seu quarto. De repente, algo caiu no chão: era o papel, um pouco amassado, aquele que eu havia dado para ele se distrair. Curioso, peguei-o ainda antes de colocá-lo na cama. Li o que me parecia IMPOSSIVEL (meu filho ainda não sabia escrever, estava na alfabetização): “Papai eu te amo”. Como um soco, aquilo me atingiu em cheio. Dentro do seu pequeno mundo, tentando demonstrar seus sentimentos, meu filho foi ignorado por mim, na troca de um simples programa de TV que se repete todos os dias. Carinhosamente, eu o apertei em meus braços e velei seu sono por muito tempo. “A janta esta esfriando!” – Falou minha esposa. Mandei emoldurar esse texto, junto a uma foto do meu filhinho. Até hoje, me emociono ao ver tanta espontaneidade ignorada por mim. 


Dj-gugu Manuel Santos
(fato verídico)

2 comentários:

Manuel Santos (DJ-Gugu) disse...

Fiquei feliz e honrado, em ver a minha narrativa no seu blog. Na verdade embora o fato seja verdadeiro, a minha intenção foi chamar a atenção para o caso da pouca importância que damos a convivência familiar. Ja fui procurado por pais, que me pediam que eu conversa-se com seus filhos, afim de alertá-los para algo errado, e eu me perguntava por que eu , e não eles mesmos?
mais uma vez obrigado.

Flamir ambrósio disse...

Valeu, querido DJ-Gugu!
De fato, o texto é muito emotivo.

Lembro que antes de publicar, eu 'tava pensando em te comunicar, mas acabei não fazendo. Peço desculpas por isso.

Um grande abraço.

nEle,
Flamir